quarta-feira, agosto 24, 2005

Escrevendo

Não desisti do blog, é a vida que corre solta! Ando escrevendo algo, posto aqui mais um fragmento de livro para vocês criticarem.

GERMANA

Chovia tanto que eu não conseguia ver onde pisava. Era asfalto, era chão, talvez uma calçada, não sei. Algo ali me sustentava. Meus pés, um por vez, como um aríete, cabeceavam água e mais água, que por sua vez amortecia o impacto de minhas passadas fortes e inúteis, afinal eu já estava molhado, completamente. O chapéu Panamá curvava-se, de abas caídas. A camiseta branca já mostrava meu corpo, o pano aderira à pele, a pele gelava-se ao contato, os mamilos, efêmeros, mas excitados, assumiam forma belicosa, pontiaguda. Corria sem motivo ou pressa, apenas corria da chuva, ou, corria com a chuva, como todos fazem, um ritual natural, fundição de homem e natureza.

Eu corria e largava gargalhadas pelo caminho, hahaaaa! Uma existência enigmática, fantástica, uma energia descontrolada e desconhecida circulava através de meu corpo, sentia um gosto adocicado na boca, as vezes a língua saltava e recolhia gotas premiadas de chuva, umedecendo minha garganta, as vezes os olhos tentavam penetrar fundo na tempestade e ver a fonte, saber da fonte, identificar a tromba d’agua. Meus sentidos aguçados despejavam-se em busca de sensações. A respiração ofegante sentia o indelével cheiro da pureza, o sublime aroma da mata, da selva, da vida. Chovia tanto, e eu era tanto humano, tanto crédulo, tanto fugidio e absorto. Minhas pisadas fortes iam abrindo caminhos tão originais e eram tantos os caminhos, eram tantas as formas que ao meu passar ligeiro desenhavam esculturas eternas na fração de segundo, golpes fortes iam cristalizando a vida, esculpindo no translúcido a maravilha da existência.

Os poros de meu corpo saltavam para fora a medida que os pingos nada sutis da tempestade atingiam-me de cheio, os pelos avantajavam-se, e o vento frio que acompanhava a tormenta também produzia em mim sensações, arrepiava-me o espírito, alegrava minha alma. Eu corria na chuva e tinha companhia, na rua, hordas alucinadas apareciam e desapareciam de meu campo de visão, todos com seus sorrisos estampados, seus jornais abertos, estendidos sobre a cabeça, seus guarda-chuvas inseparáveis, mulheres suspendendo saias até os joelhos, homens arregaçando as calças, sapatos nas mãos e o velho sorriso, lá, extravasando divertimento...