segunda-feira, junho 20, 2005

Volto na quinta-feira

Este é o título provisório do livro que estou escrevendo. Um livro de perda, de desencontro, de drogas, rock e algum sexo. Se tudo der certo e eu não mudar de idéia, publico até o final do ano. Abaixo segue o prólogo que certamente precisa ser melhorado, mas este é o espírito da coisa, leiam sem choro.

Prólogo

Meu pai está na sala, deitado no sofá, a televisão está ligada, é um programa de esportes. Ele ronca baixo, dorme, usa apenas uma bermuda, seus braços apóiam a cabeça, pendida sobre a braçadeira do móvel. Sua perna direita repousa sobre a perna esquerda, cruzam-se, parece confortável. Um traço de suor escorre com tranqüilidade de sua tez, branca, marcada. Pequenos fios de barba aproveitam-se do repouso e crescem, sua barriga oscila com a respiração. Estou parado na porta da sala, observando-o pela última vez. Calço uma bota barata, mas nova, uso um jeans e uma camisa de algodão, manga longa, meu cabelo está bem cortado, divide minha cabeça um penteado CDF. Meus óculos escorregam pelo nariz, o calor é forte no início da noite. Tento ouvir meus irmãos pela casa afora mas nenhuma voz reconhecível chega até mim. Levo as mãos até o bolso da calça, retiro as chaves, coloco sobre a mesinha da sala e dou uma conferida na estante onde encontram-se algumas fotografias. Lá estou eu com 7 anos de idade, vestido de marinheiro, marchando. Lá está minha mãe, bem vestida e sorridente, sentada no mesmo sofá onde meu pai agora ronca, ébrio. Lá está um carrinho de brinquedo de meu irmão mais novo, sem rodas, lá está uma revista de adolescente de minha irmã, aberta num questionário, um teste semi- respondido. Meu pai move-se, penso em acordá-lo, falar com ele, mas um nó na garganta me paralisa. Olho para a casa, a casa onde nasci, retorno até a cozinha, olho a mesa, as louças, olho a pia, o fogão, ando mais um pouco, olho o quintal de casa, agora reduzido a um corredorzinho impermeável, olho o céu límpido, seu azulado me remete a dias antigos, baixo a vista, dou as costas a tudo e avanço novamente até a sala, os passos são leves, demorados, percebo que estou partindo definitivamente e cada segundo e cada olhar recuperam a memória de minha existência pequena, o quarto de meu avô, o quarto de minha irmã, o quarto de meus irmãos, o banheiro, a sala de jantar e o meu quarto vão ficando para trás. Na sala olho mais uma vez para papai e digo, baixinho, na altura de um pensamento eu digo que estou indo, a mala pesa, pende sobre o ombro esquerdo, abro o portão gradeado, fico vacilando, os olhos enchem-se de lágrimas e a garganta fecha-se, dura, emocionadamente. Entro mais uma vez em casa, entro em meu quarto, dou uma olhada em meus livros, nas fotografias. Ao lado da máquina de escrever tem uma folha em branco, escrevo “papai, volto na quinta-feira”, assino meu nome, abandono a caneta, abandono o quarto, passo pela sala sem olhar para o velho, fecho o portão, caminho, tomo o ônibus e percorro pela última vez a minha rua. Minhas mãos tremem, eu pego um cigarro, coloco o braço e a cabeça para fora da janela, o vento acerta meu rosto, fecho os olhos digo adeus.