terça-feira, setembro 20, 2005

Rifle na janela

Abaixo, mais um trecho do livro "Pós-humano", projeto de contos que ando finalizando arduamente. Não posso publicar a íntegra, precisa permanecer inédito para que alguma editora se interesse por ele e o coloque nas prateleiras do Brasil.

Rifle na janela

I

Sempre se fodeu na vida, o tal do Alex. Péssimos pais, péssimas escolas, quase nenhuma alimentação até os 12 anos de idade, nenhuma diversão. Com as garotas a sorte também não mudava. Introvertido, feio, Alex se frustrava seguidas vezes no amor, nunca correspondido. Alex via seu fim muito próximo, talvez se tornasse um bandido, um malandro, na melhor das hipóteses seguiria a profissão do pai, a carpintaria.

Cresceu, Alex. Seguindo o ritual dos pobres. Na igreja comungava todos os domingos, quando recebia a hóstia, fechava os olhos, mas não rezava, não sabia o que fazer, com quem falar ali naquele vácuo escuro de seus pensamentos. Também não gostava do sabor insipiente daquela moeda divina, que se dissolvia na língua como sua própria existência. Tudo lhe torrava a paciência, e não demorou muito para começar a detestar os rituais, as ladainhas, a promessa de redenção, da intervenção divina e toda aquela quietude e comiseração pregada pelos executivos do Vaticano.

As necessidades de Alex cresciam tão depressa que ele mal pôde perceber que já havia deixado a infância para trás, que preocupações de todas as ordens se revezavam nele. O desemprego do pai, seus sapatos furados, a delinqüência de seu irmão mais velho, os dentes podres que lhe envergonhavam a alma...